O QUE É QUE EU TÔ FAZENDO AQUI? - Parte I

Fortaleza, 18 horas, naquele momento a “Terra da Luz” estava envolta em neblina. Não! Não era neblina, era a fumaça expelida pelos escapamentos nervosos dos carros que engarrafavam a Av. Domingos Olímpio! E quem estava perdido naquele emaranhado de “caixas de aço” automotoras? Ele, o psicólogo! Ah... lembrou que aquela era a hora do “rush”! Mas, atualmente em Fortaleza, toda hora é hora do “rush”! Calma! Respire profundamente! Lembre da calma de Paulo que na tribulação produzia a paciência, na paciência a experiência e na experiência a esperança. E existia a esperança de sair daquele “engodo” e a experiência de que nunca mais sairia de casa próximo da “hora de ponta”! E respirar fundo toda aquela fumaça? Nem que a vaca tussa! Mas, o psicólogo é astuto. Enganou a impaciência com a paciência de pensar. Teria que fugir por qualquer rua secundária que o levasse a tão almejada liberdade de retornar ao seu hermético lar. Enquanto isso pensava... pensava. Por que somos tão mal resolvidos? Por que causamos os nossos próprios congestionamentos? O congestionamento na rua acontece, primeiro, por termos uma cidade projetada para comportar cavalos e carroças em suas vias e não as mais de quinhentas mil “armaduras de aço” despejadas nesse asfalto diariamente! Segundo, por conhecermos muito mal a nossa cidade e desconhecermos os caminhos alternativos. É aquele condicionamento “skinneriano” de que “mas, eu só sei ir se for por esse canto!”. Para completar, todo trânsito vem acompanhado do estresse! O trânsito parece ser o único ambiente capaz de estimular o bicho homem de todas as formas! O estresse tem tipos... o euestresse é aquele estresse positivo que aparece quando se ganha um prêmio ou se tira uma nota boa e quando o sujeito consegue chegar em casa são e salvo. O diestresse vem com esse trânsito caótico que assola Fortaleza... esse mata! E o psicólogo não sabe como fugir do estresse, nem sair daquela “cama de gato”. Contudo, todos buscam o seu “lugar ao trânsito” saindo dele... querem envolver-se em suas armaduras e armadilhas por um desejo de prazer, mas não querem suas conseqüências! E Freud dizia que era por causa das pulsões! Vejamos... pulsão significaria o “brotinho”, uma força germinativa e originária do “desejo”. Seria um impulso constante no psiquismo humano que tem uma fonte, um objeto que ninguém sabe o que é e um fim. Traduzindo: é aquela “coceirinha” safada que corre dentro do corpo, que busca descarregar e satisfazer um desejo, capricho, seja lá o que for. E até nos dá ânimo pra fazer nossas coisas. É como se fosse o instinto dos bichos, mas não é... só por que nós somos homo sapiens e também temos a “cultura”, entendeu! Pois, agora basta disso!

Antes de chegar à Av. Domingos Olímpio, o psicólogo percorreu a Av. Bezerra de Menezes. Parecia que estava em um campo de concentração. Pense numa briga feia! Aquele monte de carro, uns só faltando passar por cima dos outros, parecia uma rinha de galos! Pensando bem, é isso! Se pegarmos um casal de ratos e os colocarmos em uma gaiola, no começo vai ser só amor e reprodução... passados alguns meses a “massa” de ratos estará matando e comendo uns aos outros! Mas, os ratos têm instinto e nós pulsão... lembra? E um elemento com sua Hilux interceptou a trajetória de seu carro (a velha “cortada” para ser menos técnico)! Depois, outro elemento dirigindo e falando ao celular (assobiando e chupando cana, certo?), quase arrebentou com o pára-choque traseiro do psicomóvel! É a briga pelo espaço! Nem que se tenha de invadir o espaço do outro! Tomá-lo a força no braço ou, melhor, no ferro! Na selva os animais demarcam seus espaços e os defendem com unhas e dentes! E uma criatura em São Paulo se zangou com um pedestre que atravessava na faixa e reclamou dessa mesma criatura que quase atropelou o cidadão e seus filhos! Então, a criatura (o uso do termo é por falta de definição a esse tipo de elemento) saiu de seu monstromóvel e arrebentou o pedestre com uma barra de ferro! Enfrentou os olhares dos filhos e de um monte de testemunhas... Depois disse na delegacia que era “esquizofrênico”! Vejamos... Esquizofrenia é um grupo de patologias e sintomas em que o “doente” sofre alterações de pensamento, recheadas de alucinações e delírios, associadas à confusão emocional e à perca do contato com a realidade. O esquizofrênico é um sujeito que tem mania de perseguição, um discurso com pouco sentido e lógica, com falta de iniciativa, que tende a isolar-se e tem dificuldade de diferenciar experiências internas e externas. Nada parecido com a criatura da delegacia: um sujeito eloqüente, bem apresentado e que discorreu logicamente sobre sua “desculpa”. E como ele recebeu a CNH? Nem Freud explica! Enfim, o trânsito parece que nos despe, tira nossa máscara e nos revela monstros e loucos! O Mr. Hyde dentro do Dr. Jekyll em cada um de nós! E todo “bicho de orelha” que sai arrebentando a cabeça dos outros seja com barra de ferro, seja à bala quer dizer que é “doido”! E Freud escreveu “O Mal Estar na Civilização” (1929)... ele deveria ter visto o trânsito de Fortaleza em final de tarde! Teria escrito “O Manicômio da Civilização Moderna”! Freud disse que o povo é reprimido por tantas normas e por ter suas vontades sempre monitoradas por todos e por ele mesmo. O sujeito quer dar vazão ao seu próprio prazer, mas tem a sociedade pra estragar sua “festinha”. O ser humano que deveria ser cordial e democrático se transforma numa “bomba” de agressividade e egoísmo! E o trânsito causa mal estar, sim! Quem quiser ficar de fora não saia de casa... aí, depois, não adianta descarregar nos outros! Biiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!!! Buzinava, insistentemente, o sujeito no veículo atrás do psicomóvel. Desperto de seu delírio ocioso, o psicólogo se deu conta de que não conseguiu o seu “lugar ao Sol”, mas estava atrapalhando o trânsito.